sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Meu voto

Apesar de discordar em algumas partes do texto abaixo, o que me levou a  relutar um pouco em publicá-lo no meu blog, eu pude encontrar nele a opinião de alguém que, mesmo tendo uma ideologia política diferente da minha, tem uma visão bem realista e prática, que considera o que mais importa: O quanto se avançou nos últimos 8 anos do governo Lula, o que é indiscutível para a maior parte dos brasileiros, que por isso avaliam o atual governo com 83% de aprovação, e para os mais sensatos, independente de partido ou interesses pessoais.
O que o autor escreve se choca com a minha percepção de alguns pontos, mas no geral, reflete o que eu penso, mas que muitos não percebem ou não admitem.

 
por Raphael Dutra * – Recebo muitos e-mails sobre política neste período de eleições, principalmente (pra não dizer somente) sobre a candidata à presidência pelo PT, e acabo por ter problemas com aqueles que acham que a Dilma ter participado de guerrilha na época da ditadura é um absurdo (tem gente que não fez isso naquele tempo e acha que é moralmente superior, esquecendo do contexto da guerra-fria, onde o comunismo, por mais absurdo que seja considerado hoje em dia, era tomado como alternativa válida) e que ela é a favor do aborto (ela vacila na contradição, mas ser a favor da descriminalização do aborto é algo que eu também defendo e não devo ser – e ninguém deve ser – demonizado por isso). Também recebo e-mails de que ela é lésbica, come criancinhas e vai acabar com a liberdade religiosa, além daquele que diz que a urna eletrônica está programada; coisas desse tipo eu desmereço mesmo, sem dó (aliás, fulano que diz que “leu em e-mail” e toma como verdade absoluta é triste).
Um amigo me enviou um e-mail que se tratava de uma mãe respondendo a uma outra mãe (resumo da história = mãe de uma menina manda e-mail para uma lista de discussão – outra mãe lê e responde dizendo que a mulher está doutrinando as crianças e primeira mãe responde soltando fogo sobre o governo Lula e sua candidata. Todos já recebemos um e-mail desse tipo) que levanta uma série de fatos e questões pertinentes para o debate político que concerne à eleição presidencial. De fato, as irregularidades e os episódios de corrupção que a gente conhece do governo Lula são notórios, foram amplamente divulgados pela imprensa e comprovados em vários de seus pontos. Isso causa revolta em muitos dos eleitores antigos do PT, que viam no partido um “bastião da ética na política”, e se decepcionaram quando viram que tudo não passava de um artifício para a chegada ao poder. Para mim, esta foi a chaga deste Governo, pois corrupção é corrupção, não tem cor nem ideologia partidária; é condenável em todas os gêneros.
Contudo, acho que chegar e dizer que este foi o “governo mais corrupto da história” é um exercício de falta de conhecimento da história brasileira, de memorização seletiva e de confiança cega nas intenções da imprensa tupiniquim. Sendo um leitor da Veja desde muito tempo – e até hoje – é notória a sua abordagem do assunto corrupção em períodos diferentes, isto é, no governo atual e nos anteriores. Tirando a época do Collor, que colocou num mesmo lado vários setores da política e sociedade brasileiras, e por isso trouxe reportagens e capas memoráveis da revista, o que acontecia de grave no governo FHC era abordado de forma muito diferente por essa revista, e, por conseqüência, pelos outros veículos de comunicação análogos (Folha, Estadão, Rede Globo).
Alguém se lembra da questão do tráfico de influência nas privatizações (Daniel Dantas obtendo informações privilegiadas na venda das empresas públicas), ou do SIVAM (Sistema de Radares da Amazônia – favorecimento da empresa americana Raytheon), ou da emenda da Reeleição (comprovação que dois deputados receberam dinheiro para votar a favor – onde tem dois provavelmente tem mais, mas isso a imprensa não investiga, né?), ou do estouro cambial logo após a reeleição de FHC em 1999, ou das salvações dos Bancos Econômico e Nacional (lembram deles – um patrocinava o Curíntia e outro estava no capacete do Senna) com milhões de reais? Isso tudo aconteceu no governo FHC, e muitas outras coisas mais que não me vêm à cabeça. A imprensa noticiava os ocorridos, mas de outra forma. Lembro como se fosse hoje da capa da Veja sobre “Corrupção – um mal” ou coisa assim. A revista nunca estigmatizava esse ou aquele partido, era sempre no contexto geral. De repente, o negócio mudou de contexto e já na primeira eleição de Lula a Veja põe na capa: “O que querem os radicais do PT”. Isso era só um indício do que estava por vir.
E o debate ficou burro. O problema da corrupção – que é sistêmico – foi vinculado a um partido, e acabamos por ver uma situação inusitada: PSDB e, pasmem, o PFL (atual DEM pra quem não lembra) assumiram o papel de paladinos da moral, o que é no mínimo irônico. É claro que interessa a grande parte da classe dirigente o não-debate sobre o problema sistêmico da corrupção, uma questão cultural, que envolve todo o corpo social brasileiro, eu e você. Ficamos num denuncismo lacerdista de quinta categoria, que já foi utilizado pelo próprio PT, e as reais questões que poderiam debelar o problema – reforma política, fortalecimento dos órgãos fiscalizadores – foram colocadas de lado.
Mas é bom ressaltar que todos estes escândalos que conhecemos do governo Lula foram amplamente divulgados. A imprensa nunca teve tanta liberdade para divulgar falcatruas e fazer reportagens incisivas sobre os meandros da corrupção no governo federal, que já vem de muito. Como já falei antes, o acesso aos dados do governo – federal principalmente – não era tão aberto no governo FHC, e a imprensa não tinha essa vontade de denunciar como tem agora. Temos hoje, pelo menos, uma Polícia Federal capacitadíssima, com excelentes profissionais, e com uma estrutura que, de longe, supera os tempos passados, e que tem ampla liberdade para investigar o que for. O Procurador-Geral da República não é mais o “Engavetador-Geral da República” Geraldo Brindeiro, que trancava qualquer investigação sobre o governo FHC. O processo do Mensalão está no STF, sendo instruído, graças a uma maior abertura que veio, queira ou não, com a ascensão de Lula ao poder. O PT aparece e diz que tudo é jogo da direita. Não é, mas pelo menos deixam investigar, não fica aquela coisa toda no ar e depois o pessoal comenta a novela, como era antes.
Também é pertinente falar do total descrédito, por parte do governo Lula, das medidas tomadas pelo governo FHC para acabar com a inflação e estabilizar a economia. Isso é algo que eu não concordo, pois a mudança trazida pelo real é algo cabal para o bom momento do Brasil hoje. Todavia, alguns sacrifícios foram impostos à sociedade para que esta estabilidade fosse alcançada, principalmente no segundo mandato de FHC, e estes sacrifícios não foram combatidos de uma forma que poderiam ter aliviado o arrocho a que foi submetida grande parte da sociedade. A política de baixos juros dos bancos públicos que impera hoje, a expansão sem medo do crédito ao consumidor, o aumento real do salário mínimo e da renda foram, para mim, atos que devem ser creditados a uma vontade política do atual Governo. Como experiência pessoal, posso acrescentar que os anos de 1999-2002 foram os mais difíceis para a minha família financeiramente, com minha mãe tendo que fazer empréstimos em financeiras com juros de 14%, os preços das coisas aumentando e o salário arrochado. Por isso, entendo que houve sim uma mudança política com relação à economia do Brasil, e que veio pra melhorar a vida de muita gente, inclusive eu. Mas isso é argumentável, até porque economia não é uma área que eu tenha um entendimento muito profundo.
Com relação ao bolsa-família, entendo que a abordagem de que é pra “comprar voto de pobre” é desconhecimento do que se trata o bolsa-família, que se originou mesmo com o bolsa-escola do governo FHC, e que, atentem, copiou a idéia do governo de Cristóvam Buarque no Distrito Federal, que na época ainda pertencia aos quadros do PT. Lembro quando o meu amigo foi ao Piauí e disse que na cidade que ele visitou quase todo mundo recebia o bolsa-família e acabava por não trabalhar. Ele falou pra mim que as pessoas disseram que receberiam cinqüenta reais por mês para trabalhar em casa de família (!!!), e que o bolsa-família pagava um valor muito maior (não sei se era um salário mínimo, mas era definitivamente maior do que o emprego/escravidão pagaria). Temos pessoas no Nordeste tão ricas como aqui no Sul, mas que pagam salários de fome para os trabalhadores porque a estrutura sócio-econômica sempre foi assim, e nunca combatida por nenhum governo de forma tão efetiva como no governo Lula. Se o povo agora pode se alimentar de forma decente, se há recebimento de dinheiro para enviar seu filho para a escola, se há a possibilidade de comprar bens de consumo, por que o povo não deve identificar isso com o governo atual? O Serra já está dizendo que vai aumentar o bolsa-família e tal – e não duvido que assim o faça – mas seu real eleitorado pensa que tal programa deve acabar, e os que recebem devem voltar a trabalhar com salários de fome, principalmente no Nordeste.
Acredito que a principal falha da mensagem dita na carta da primeira mãe diz respeito à questão da política externa brasileira no governo Lula. A visão explicitada ali revela certa miopia, uma visão embaçada por pessoas como Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi. Tenho vontade de chamar o povo todo e explicar que tais críticas à relação do Brasil com países como Irã, Cuba e Venezuela carecem de fundamento, pois passam a idéia de que ao ter relações com estes países, o Brasil negligencia países parceiros tradicionais como os EUA e a União Européia. Na realidade, o prestígio brasileiro nunca esteve tão em alta junto às chancelarias mais importantes, que são o Departamento de Estado dos Estados Unidos e a Chancelaria Européia, como agora, já que hoje em dia o Brasil é chamado para as discussões mais relevantes no cenário global. Conferências chaves – como o G-20 – contam com a participação brasileira, que não está lá como mero participante, e sim como um dos atores principais na resolução de problemas sociais, econômicos e ambientais que afligem o mundo.
A diplomacia brasileira sempre se pautou pelo pragmatismo e pela autonomia. Quando se vinculou de forma cega às diretrizes de outros países, como no alinhamento aos EUA no governo Dutra e no governo Castello Branco, o Brasil foi prejudicado, pois foi visto de forma hostil por seus vizinhos sul-americanos e perdeu a capacidade de liderança. Num mundo cada vez mais multipolar, a colocação do Brasil como um ator principal nas questões mundiais se faz necessária para atingir os interesses precípuos do país, que são a promoção do desenvolvimento do país e de seus pares, os países emergentes. Uma atuação solitária do Brasil nos fóruns mundial ensejaria um isolamento contraproducente para os interesses do país.
É claro que o Lula vacila ao dizer que a eleição no Irã foi totalmente justa, ou que os presos políticos em Cuba são presos comuns, mas devemos atentar que, no mundo das relações diplomáticas, a política de bastidores é mais relevante que declarações públicas, que também tem a sua importância, mas não são tão levadas a sério. Por isso, a atual política externa deve ser valorizada, pois a diversificação de parceiros internacionais previne o país em crises e aumenta o capital diplomático brasileiro. Cabe ressaltar que o governo Lula não está inventando nada em diplomacia, somente aprofundando posturas já tomadas por outros governos. A aproximação com o continente africano, por exemplo, já vem desde os governos militares, e os governos de Figueiredo e Sarney tiveram relações boas inclusive com o Iraque de Saddam Hussein.
Posso dizer que minha escolha nesse segundo turno não é a preferida. Gostaria muito de poder votar de novo em Marina Silva, sabendo que ela poderia trazer um pouco de imaginação para o debate político, trazendo a questão do meio ambiente e da sustentabilidade para o centro das discussões, numa postura mais condizentes com os desafios do século XXI (mais ou menos o que ela falava na campanha). A China começa a perceber que essas questões serão cabais para os jogos de poder nos anos que virão, e, apesar de ser um país extremamente poluidor, está adotando posturas de vanguarda nas áreas correlatas, como a área de energia. Acredito que ela se estabeleceu como uma nova força política no Brasil, e deve se preparar já para a campanha de 2014. Ela traz uma nova perspectiva na política, já que hoje temos que escolher entre o desenvolvimentismo vazio e o gerencialismo estagnante. Nestas duas escolhas que se apresentam, acabo ficando com a primeira, que é mais inclusiva.
Acabo por afirmar que minha escolha em Dilma é uma escolha crítica, fiscalizadora, que não avaliza a totalidade dos atos do governo Lula, mas que concorda com uma diretriz seguida por este governo, de inclusão social e aumento da classe média, com expansão do crédito e expansão da renda. Acredito que um governo Serra não saia muito desta toada, mas tenho medo que ele traga aquele marasmo que eu lembro ter vivido no período FHC, onde as coisas aconteciam e nada era combatido ou contestado. Lembro da época do racionamento de energia, em 2001. Algo que aconteceu por incompetência do governo era tratado como uma fatalidade, com reportagens mostrando o que a fulana fazia para economizar energia, e não perguntando de forma incisiva às autoridades que o estava acontecendo. Tenho medo de que aconteça o que falou meu amigo Alexandre Nodari, o “seqüestro da cidadania“, onde toda a discussão política é encarada na seara da “gestão” – esta não como melhoria do serviço público, e sim um conceito vazio, de sucateamento e terceirização, com o governo virando um mero administrador de secos e molhados. Acredito que, em hipótese alguma, podemos encarar a administração pública como uma empresa, pois ela não deve ter lucro, e sim se manter de forma sustentável para prover, com qualidade, as necessidades básicas da população.
A participação na política é um direito de todos, educados ou não, sábios ou ignorantes, ricos e pobres, e acredito que a atual conjuntura possibilita essa participação mais plural, de todos os setores da sociedade. Não é o ideal – não mesmo – mas, Dilma acaba por representar o povo que ascende a uma posição mais importante no contexto brasileiro e aqueles que não pensam em reviver os arrochos e negações da época do governo FHC. Se o Brasil pode mais – como diziam (já não dizem mais) os tucanos -, pode mais o quê? Eles nem programa de governo têm…

* Raphael Dutra, Florianópolis-SC, é servidor público.
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