sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Coleção Folha Grandes Óperas: É barato porque é ruim

– Primeiros números da coleção Folha Grandes Óperas –
por André Egg

Um dos grandes negócios da editora do Grupo Folha tem sido as coleções vendidas em banca. Estas coleções têm um importante papel de difusão cultural, por chegarem aos quatro cantos do país, e por preço mais acessível. Por outro lado, ajudaram muito a Folha a vender jornal, e agora sustentam uma editora que complementa a lucratividade em queda do jornal impresso (enquanto ainda não é substancial a lucratividade do jornal na internet).
Um nova coleção começou a sair esta semana – a de “grandes óperas“. É muito barato: por R$ 15,90 você compra um livro com o texto da ópera (original e traduzido para o português) mais os CD’s (geralmente 2) com a gravação integral. O primeiro número, que acaba de sair, é o da Carmen de Bizet.
Eu comprei, coloquei para tocar, e descobri por que é barato. A gravação é muito ruim. É de 1954 – Sinfônica de Viena (veja bem, não é a Filarmônica de Viena), regida por Karajan, e Giulietta Simionato no papel principal.
Esse é um bom jeito de economizar nos direitos autorais. Eu imagino os executivos da Publifolha chegando no escritório de uma gravadora européia e perguntando: “Tem uma pechincha aí?”. Os caras respondem: “Tem uma bosta duma gravação ruim de 1954, que não conseguimos remasterizar direito. Estamos liqüidando.” Aí os caras da Folha compram, e saem vendendo milhões de cópias nas bancas. Foi mais ou menos o que eles já fizeram com a coleção de jazz, e não têm vergonha de fazer de novo.
Pra começo de conversa, o Karajan não é o regente certo para Carmen. Ele é bom mesmo para uma coisa assim:
Coisa de música militar alemã. Para tocar os franceses, para começo de conversa, as orquestras de Viena nem têm os instrumentos adequados. Especialmente os sopros, há diferenças muito significativas na técnica de construção alemã e francesa – caso do fagote, do clarinete e das trompas. Desde pelo menos Berlioz, passando por Bizet, Massenet e chegando em Debussy, os franceses têm especial gosto pela escrita orquestral e seu virtuosismo timbrístico. Os alemães sempre acharam que isso é frescura, e tenderam a valorizar acima de tudo a relação harmônica entre as notas musicais, como se o timbre e o colorido instrumental não importassem (é preciso que se diga que o maior orquestrador alemão, Richard Wagner, aprendeu o ofício em Paris).
Colocar o Karajan com uma orquestra B de Viena para tocar Bizet é tão ruim quanto seria pedir-lhe um Villa-Lobos, ou um Guranieri, ou um Tom Jobim. Eles, regente e orquestra germânicos, são incapazes do molejo necessário.
Alias, eu tenho em casa um DVD (não CD), com a mesma ópera, numa gravação primorosa, com Zubin Mehta e o Royal Opera House de Londres que comprei por R$ 11,90 em banca, tempos atrás. Os caras da Publifolha podiam aprendem com essa coleção de DVD Ópera. E vejam, essa gravação, com Maria Ewing fazendo Carmen, é certamente a melhor, como você pode conferir aqui:
O que acontece quando o sujeito compra uma coleção como essa da Folha na banca?
Digamos que eu sou um cara que não conheço nada de ópera. Aí passo na banca, vejo a coleção da Folha e penso: “Deve ser importante. Vou comprar, para tentar aumentar minha cultura, entender um pouco de música clássica”. Aí eu nem leio as letras miúdas. Ponho o CD para tocar e fico pensando que ópera é horrível. Quem vai me explicar que a gravação é ruim, muito antiga, mal captada, mal re-masterizada, regente e orquestra errados, assassinando a música, tocando Bizet como se fosse marchinha de Strauss.
Além da primeira ópera da série ser uma gravação horrível, o que é culpa dos executivos que foram negociar a compra dos direitos na Europa, a coleção toda é um festival de ignorância e preguiça dos curadores, que escolheram as óperas que iam lançar.
Carmen de Bizet (1875), Fidelio de Beethoven (1805), Barbeiro de Rossini (1816), Traviata de Verdi (1853),Flauta Mágica de Mozart (1791), La Bohème de Puccini (1896)… já me cansei. As primeiras seis obras da coleção de 25 dão uma boa ideia da noção que a Folha tem de valor cultural: obras tão manjadas que já em 1928 Mário de Andrade criticava violentamente nos jornais sua programação na temporada de ópera da cidade de São Paulo. Que a elite cultural paulista não tenha se atualizado nada desde então não me surpreende muito.
As maiores ousadias que a coleção se permite são uma Pelleas e Melisandede Debussy (1902) e umaSalomé de Strauss – o Richard, não o Josef da marcha do Karajan (1905). Suspeito ainda que a melhor gravação da série deve ser a do Guarany de Carlos Gomes, com regência de John Neschling – essa eles não desencavaram uma gravação ruim como fizeram com a Carmen. Mas até chegar neste número 7, o sujeito já desistiu da coleção.
Faltam, escandalosamente, óperas do século XX. Não precisava ser nada muito chocante. Podia ser umMalazarte de Camargo Guarnieri, um Contratador de Diamantes de Francisco Mignone, uma Menina das nuvens de Villa-Lobos (que foi encenada em Belo Horizonte ano passado, com regência de Fabio Mecheti). É absolutamente indesculpável não ter um Wozzeck de Alban Berg. Podia ter um Peter Grimes de Britten, umRake’s Progress de Stravinsky, um Telefone de Menotti. Não precisava nem ser uma Sarapalha de Harry Crowl, nem uma Erwartung de Schoenberg.
Para não dizer que é total e absolutamente irrelevante, a coleção tem o Guarani que eu já mencionei, com bom regente, difícil de achar em gravação comercial. O Debussy e o Strauss, para não dizer que a música acabou antes de 1900. E três tesouros desenterrados do período pré-clássico pela musicologia: Orfeo de Monteverdi (1607) – que deve ser considerada a primeira ópera que deu certo – Tito Manlio de Vivaldi e Rinaldode Haendel.
No mais, a Folha ainda está longe de saber como se faz uma coleção de música.
Fonte: Amálgama

Eu: Uma coleção muito boa foi a que o Jornal O Globo lançou em 2006, com Os Mestres da Música Clássica, contendo 18 volumes, com CD e livro sobre a vida destes grandes compositores inesquecíveis, como Mozart e Beethoven.
Excelente material, tanto os CDs quanto as biografias.

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